Atual
presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, mesmo sem
admitir candidatura, é um dos nomes mais fortes na disputa pelo cargo mais alto
na PGR. Uma das dúvidas é saber se o Planalto seguirá a lista tríplice da
categoria
Depois de dois mandatos à frente da Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti deixa
o cargo na próxima quinta-feira e, em menos de uma semana, deve assumir um
outro desafio: a disputa pela chefia do Ministério Público, com eleição marcada
para 18 de junho. Apesar de uma das campanhas mais disputadas desde 2003,
Robalinho é um dos favoritos a terminar entre os três primeiros colocados. Há
dois pontos importantes, porém. O primeiro é que ele próprio não confirma se
vai concorrer. O outro é ainda mais delicado: o presidente Jair Bolsonaro pode
simplesmente ignorar a lista tríplice feita pela categoria.
“Não tem decisão sobre isso, mas, mesmo que
tivesse, só vou revelar quando deixar o cargo na ANPR”, disse ele, durante
entrevista na tarde da última quinta-feira. Robalinho afirma que Bolsonaro
nunca disse que não receberia a lista tríplice da ANPR. “Ele nunca disse que
ignoraria a lista, ao contrário. Ele disse que iria receber e considerar. Ele
disse que não seguiria se fossem três esquerdistas, que é um conceito difícil
de entender em relação ao Ministério Público.” Na entrevista, Robalinho falou
da relação conflituosa com a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, e dos
momentos mais tensos durante os últimos quatro anos — ele foi reeleito em 2017
— como o envolvimento de procuradores em escândalos.
Nascido em São Paulo em 1966, Robalinho
mudou-se aos quatro meses de idade para o Recife. Graduou-se em economia pela
Universidade de Pernambuco em 1986. Entre 1992 e 1994, foi auditor federal de
controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) e, entre 1994 e 1999,
consultor legislativo da Câmara dos Deputados. Formou-se em direito na
Universidade de Brasília, em 1996, onde concluiu mestrado em sigilo bancário em
2005. Ingressou no Ministério Público Federal em 1999. É especialista em
lavagem de dinheiro e crime organizado. Atualmente, exerce o cargo de
procurador Regional da República, titular do Segundo Ofício Criminal na
Procuradoria Regional da República da 1ª Região.
O
senhor será candidato à vaga de Procurador-geral da República?
Não tem decisão sobre isso. Mas sou bem
sincero, mesmo que tivesse uma decisão, eu só vou revelar quando sair do cargo
de presidente da ANPR. É uma questão simbólica, sou o presidente, ainda não
saí. Mas, ao mesmo tempo, tomei uma série de cuidados. Eu fiz questão de não
participar de nenhuma das decisões preliminares sobre a questão eleitoral,
sobre a lista tríplice. Estamos num período muito tumultuado, externo e
interno. Eu tive um papel de liderança e não me sentiria bem de não participar
do processo. Se eu não for candidato, é mais do que provável que eu tenha
candidato, que eu debata ideias na campanha. Têm lideranças que preferem se
preservar, mas esse nunca foi o meu papel. Em todas as eleições, eu sempre tive
candidatos, até em 2011, quando entrei na cúpula da ANPR como vice e depois, como
presidente. E, a partir daí você não pode ter um comportamento que pode separar
os colegas.
Ou
seja, candidato ou não, o senhor vai fazer campanha…
Exatamente. É por isso que não me meti nas
questões eleitorais. Eu vou ter uma semana para decidir, mas vou decidir.
Tivemos alterações no nosso estatuto há cerca de um mês. Entre essas
alterações, tem uma muito importante. Sempre tivemos uma comissão eleitoral que
cuidava da lista tríplice, que recebia pedidos de candidatos, eventuais
reclamações, mas era uma espécie de comissão que assessorava a diretoria da
ANPR. Agora, essa comissão tem um papel maior, porque está escrito no estatuto
que quem conduz a eleição da lista tríplice não é a diretoria da ANPR, nem a
minha nem a de Fábio (George Cruz da Nóbrega, o novo presidente, que assume a
partir da próxima semana). Quem conduz é a comissão eleitoral. Então, a bola
está com a comissão. Ela vai definir o número de debates etc.
Por
que o Ministério Público está tão dividido e tenso internamente?
Nicolau Dino, ao desistir da candidatura, falou
a mesma coisa, falou de fricções e da necessidade de se unir. É natural que
você enfrente, nada que me dê temor. Até certo ponto, isso é normal. Eu
acredito muito no espírito público de todos aqui dentro, e que, ao fim e ao
cabo, estaremos todos juntos em torno da lista tríplice, com algumas poucas
exceções. Há dois anos isso também foi enfrentado. Naquele período, todas as
semanas eram publicadas matérias dizendo que a lista tríplice não iria ocorrer.
E com declarações de pessoas próximas ao Temer, como o ministro Eliseu Padilha.
Isso com o Temer dizendo que respeitaria a lista tríplice. Aí começaram as
investigações e as especulações sobre a lista começaram. Toda mudança de
governo gera essas tensões. O presidente Bolsonaro deu uma declaração falando
da sua independência. As pessoas não leram a declaração inteira, mas ela
provocou um certo frisson. Ele disse que a maior parte da carreira era
excelente, “vou receber a lista, vou considerar a lista”. Ele nunca disse que
não receberia, mas “me reservo o direito de não seguir a lista, se vierem três
esquerdistas”. É claro que eu preferia que ele não tivesse dito isso e
assumisse um compromisso mais forte com a lista, mas foi isso que ele falou.
Ele nunca disse que ignoraria a lista, ao contrário. Ele disse que iria receber
e considerar. Ele disse que não seguiria se fossem três esquerdistas, que é um
conceito difícil de entender em relação Ministério Público.
Por
quê?
Veja o caso da lista de 2013, se você olhar
dentro do espectro político tradicional, foi a lista mais à esquerda dentro do
MP. Tinha duas pessoas com ligação orgânica com forças progressistas e da
sociedade civil, não no aspecto político-partidário: doutoras Ela Viecko e Deborah
Duprat. O Rodrigo Janot, sem nenhum demérito, é apenas uma ponderação, era o
menos de esquerda dos três. O governo era de esquerda, a presidente era uma
senhora de esquerda, era mulher, mas escolheu um homem menos à esquerda dos
três concorrentes, para você ver como as escolhas do Ministério Público são
mais complexas do que parecem. Mas a declaração do presidente Bolsonaro atiça a
ideia de as pessoas procurarem outros caminhos. Ideias que sempre existiram.
Veja o procurador Augusto Aras. Fazer críticas à lista e dizer “sou candidato,
mas sou candidato fora da lista” é uma coisa, mas colocar em dúvida a lisura do
processo eleitoral, aí não. Não tem o que discutir. O nosso processo eleitoral
é feito com transparência. Padrão Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Mas na
gestão de Raquel Dodge, essa tensão aumentou…
Eu diria que rejeições à gestão de Raquel
aumentaram a tensão, sim, sobre isso não há o que discutir. Do ponto de vista
administrativo, o período não é fácil. E todos reconhecemos isso. É um período
de muito aperto fiscal, 2016 foi um ano muito negativo, por causa das
incertezas, do impeachment. Quando Raquel assume (em 2017), medidas fortes
deveriam ser tomadas, mas infelizmente não foram. Do ponto de vista de varejo,
as decisões foram corretas. Foram austeras, ela segurou os gastos de viagens,
apostando na tecnologia, economizando milhões, aumentando a execução
orçamentária. Tudo isso foi importantíssimo. Mas precisávamos ampliar,
renegociar os grandes contratos, arrumar espaços para continuar com crescimento
sadio. Nada disso foi feito. Nós temos, aprovadas por lei, 600 vagas de
procurador e que não vamos ocupar por conta dessa realidade orçamentária. Havia
um planejamento estratégico na época do (Roberto) Gurgel, em que a gente tinha
projeção de crescimento acompanhando a justiça federal. O teletrabalho seria
uma forma de suprir isso, por exemplo. A AGU tem feito com excelência. E aí não
é só a Raquel, mas o conselho superior, votou o teletrabalho, e aprovou que
iria decidir caso a caso, o que, para nós, não é um caminho. Mas, a partir de
novembro, houve uma tensão entre a ANPR e a PGR, que é normal. Mas nesse
período Raquel tomou duas decisões muito rejeitadas na carreira. Fizemos uma
demanda de gratificação de acumulação de funções, que diz que a minha lei é
igual à dos juízes. Quando chega a hora da regulamentação interna, a Justiça
federal fez de uma forma muito mais ampla do que o MP. Isso dá uma diferença
grande de salários. Raquel disse que daria uma solução própria, não conversou
com ninguém e resolveu apresentar uma proposta dela. E a proposta resolvia o
nosso problema de bolso, só que, embutida na proposta, estava uma interferência
nos processos mais importantes que a cúpula e as câmaras poderiam influenciar
diretamente nos grandes processos. Resultado disso, um abaixo-assinado
rechaçando a proposta dela, com interferência nos trabalhos dos procuradores.
Ela não admite isso, mas as pessoas entenderam como uma interferência (na
distribuição de casos para os procuradores). Mas ela não pode se queixar de
ninguém, porque ela não conversou com ninguém. Mas quero deixar claro que nunca
tive guerra aberta com ninguém.
Mas
não ficou nisso…
Ninguém pode tirar a independência funcional de
Raquel. Ela tem direito tanto quanto os procuradores lá de Curitiba. Eu não
acho que o acordo fechado em Curitiba com a Petrobras (sobre a criação de um
fundo) tenha tantos problemas assim. Os erros eram pontuais e eles mesmos
acabaram reconhecendo. O problema não foi isso. Foi que, em vez de resolver
internamente, uma situação que os procuradores já tinham recuado, e ela já
sabia, Raquel usou um instrumento, a ADPF (ação por descumprimento de preceitos
fundamentais), que nunca tinha usado para esse fim: levar a matéria para o
Supremo Tribunal Federal. A ADPF não é só um instrumento do procurador-geral.
Avisamos isso no momento zero. O instrumento é para qualquer legitimado, para
uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), qualquer partido político,
associação nacional... Ela criou um rombo no casco, desse tamanho! pois
qualquer investigação com meia dúzia de bons argumentos de advogados dos
acusados poderia ser questionada no STF, pulando todas as instâncias. Ninguém
defendeu Raquel. Esses dois atos aumentaram a tensão. Mas ainda teve o episódio
do conselho do MP, que mandou um recado no processo eleitoral, quando disseram
que só podia concorrer subprocurador e não procurador regional. Apesar disso
não ter efeito, provocou nova tensão.
A
saída de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça o surpreendeu?
Foi uma decisão corajosa. Ele tinha uma
carreira brilhante e estava longe de se aposentar. Há que se admirar. O
processo da saída seria visto com normalidade com outra pessoa. Eu não vejo
nada demais. Cria uma delicadeza política, mas deve ser enfrentada com frieza,
afinal, não é possível fazer uma relação de causa e efeito. Todas as sentenças
do Moro foram técnicas, de acordo com as provas. O que inviabilizou a
candidatura de Lula foi a Lei da Ficha Limpa, assinada pelo próprio Lula, que o
proibiu de ser candidato. Moro fez o julgamento a partir das denúncias, a
partir do trabalho de uma série de órgãos. Confirmado por outras instâncias.
Não tem perseguição política. A Lava-Jato fez o seu trabalho técnico.
Qual o
balanço que o senhor faz da gestão? E os momentos mais tensos?
Foi um período cheio de desafios. Pressões no
Congresso por causa da Lava-Jato, briga por valorização. Quando se descobriu o
que o Marcelo (Miller) tinha feito (ele foi acusado de receber vantagens
indevidas para ajudar o grupo J&F, dos irmãos Batista), e temos um que ainda
está no MP, o Angelo Vilela (acusado de vazar informações sigilosas), e está
afastado mas não foi condenado. O fato é que isso foi difícil, mas eu quero
elogiar Rodrigo Janot e mostrar como se comporta o MP nesses episódios. Ninguém
piscou os olhos para não cortar na própria carne. A gente ganha aprendizado em
ter maior rigor. Mas teve outro momento tenso também, que foi a investigação
contra o presidente Michel Temer, inclusive com dúvidas em relação à lista
tríplice. E agora, temos outro período complicado, pois um governo que entra
tem sempre essa instabilidade em relação à lista tríplice. Mas eu consigo
pensar que entrego a ANPR à altura da associação que recebi. O diálogo mais
forte é uma marca. O mais importante é o diálogo, característica da minha diretoria.
Tanto para fora quanto para dentro, com independência.
Fonte: Correio Braziliense