Decisão judicial
considera ilegal a portaria que proíbe o tratamento com medicamento de uso
humano em animais com leishmaniose. Medida divide a opinião de veterinários.
Ministério da Saúde informa que não foi avisado da determinação
Uma
decisão da Justiça autoriza mudanças na forma como cães com leishmaniose são
tratados. A quarta turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF)
considerou ilegal a Portaria Interministerial nº 1.426 que proíbe o tratamento
com medicamento de uso humano em animais com a zoonose. A medida, publicada no
diário eletrônico do órgão no último dia 16, representa uma alternativa à
eutanásia, mas gerou polêmica e dividiu a opinião dos veterinários. Ainda cabe
recurso da decisão. ...
A Justiça Federal considerou a portaria ilegal, porque “extrapola os limites tanto da legislação que regulamenta a garantia do livre exercício da profissão de médico veterinário, como das leis protetivas do meio ambiente”. Em 2012, dos 5.717 animais examinados
Mas a quantidade de casos de leishmaniose em animais pode ser maior. Ao contrário dos humanos, o diagnóstico nos bichos não precisa gerar uma notificação para a Secretaria de Saúde. De acordo com o último boletim epidemiológico do órgão, de janeiro a setembro do ano passado, 49 pessoas apresentaram suspeita de leishmaniose visceral. Desse total, 26 casos foram confirmados, mas somente seis pacientes contraíram a doença no DF. Houve dois óbitos. Em relação à leishmaniose tegumentar, a secretaria registrou 31 ocorrências, cinco autóctones.
Moradora do bairro Jardim Botânico, uma das áreas com maior frequência de casos, a psicóloga e advogada Mônica Mello, 34 anos, viu a doença atingir a cadela Princess, de 5 anos. O animal começou a apresentar os sintomas no ano passado. “Parecia uma alergia na pele, não melhorava nunca. Ela passou a ficar triste, teve anemia e a veterinária suspeitou de leishmaniose, o que se confirmou depois”, contou.
Princess descende do primeiro cachorro que Mônica teve, ainda na infância, o que tornou a decisão mais difícil. “Fiquei triste em optar pelo sacrifício, mas não podia colocar em risco a vida dos meus filhos”, lamentou. Com a nova decisão da Justiça, a psicóloga não sabe se teria agido de outra maneira. “A informação que eu tive é de que o tratamento é demorado e não é sempre que funciona. Como não está disponível na rede pública, ficaria caro e não teríamos a garantia de que ela ficaria boa”, disse. Os outros dois cães da família, Padock e Zero Cinco, foram examinados e estão saudáveis.
Prevenção
Preocupada com a decisão da Justiça Federal, a subsecretária de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde, Marília Coelho Cunha, adiantou que o departamento jurídico avalia a questão. “Isso é extremamente perigoso. Não existe tratamento registrado para animais e com comprovação clínica liberado no Brasil”, apontou. Ela reforçou a necessidade de combater o vetor da zoonose. “Precisamos fazer campanhas de prevenção. É importante manter os canis limpos e secos e evitar mato alto perto de casa”, recomendou Marília Coelho.
O Ministério da Saúde, por meio da assessoria de imprensa, reafirmou que os medicamentos usados para tratar leishmaniose visceral humana não podem ser usados em animais. A nota diz que o órgão não foi avisado e, enquanto isso, respeitará as recomendações da Organização Mundial da Saúde. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que, se notificado, discutirá o assunto com o Ministério da Saúde.
O secretário-geral do Conselho Federal de Medicina Veterinária, o veterinário Felipe Wouk, explicou que, apesar de curar o animal infectado, nenhuma forma de tratamento elimina o parasita do sangue. “É um risco para a saúde pública admitir o tratamento sabendo que o cão vai melhorar, mas ele seguirá como potencial elemento de transmissão”, explicou. Wouk reiterou a posição do conselho de que a tentativa de tratar o animal não é adequada. “Os médicos que fizerem ou divulgarem a prática estão sujeitos à pena do Código de Ética”, completou.
A ação na Justiça foi movida pela organização não governamental Abrigo dos Bichos, de Campo Grande (MS). A veterinária e presidente, Maíra Kaviski Peixoto, acredita que a eutanásia não é o melhor caminho para resolver o problema. “Existem milhares de animais mortos sem necessidade, passíveis de tratamento e que não tiveram essa oportunidade”, disse. Segundo ela, a informação de que o cão, mesmo tratado, continua um reservatório da doença é controversa. “Estudos apontam que algumas formas de tratamento diminuem o grau de parasitemia do cão e ele deixa de ser um transmissor, caso contrário, não defenderíamos essa ideia. Não somos contra a eutanásia, mas sim a aplicação dela em 100% dos casos”, concluiu.
O que diz a lei
A Portaria Interministerial nº 1.426, de 11 de julho de 2008, proíbe o tratamento de leishmaniose visceral canina com produtos de uso humano ou que não foram registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Artigo 3º determina que, para obter o registro de produto de uso veterinário para tratamento da doença, o interessado deve realizar ensaios clínicos controlados com a autorização da pasta e ter o relatório de conclusão dos testes com nota técnica conjunta do Mapa e do Ministério da Saúde.
A portaria prevê pena para quem descumprir a regra. Se for médico veterinário, fica suscetível às infrações e penalidades previstas no Código de Ética Profissional. Caso contrário, a pessoa pode ser enquadrada no Artigo 268 do Código Penal, com detenção de um mês a um ano e multa para quem infringir determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa. Ou fica sujeita à Lei nº 6.437, de agosto de 1977, que estabelece as infrações à legislação sanitária e as sanções, ou, ainda, ao Decreto-Lei nº 467, de fevereiro de 1969, que dispõe sobre a fiscalização de produtos de uso veterinário, dos estabelecimentos comerciais e dos fabricantes.
Fonte:
Correio Braziliense - 23/01/2013