Um tribunal, quatro épocas e diferentes ritmos de justiça
A história recente e remota do Supremo Tribunal Federal revela um paradoxo curioso: o mesmo tribunal que levou mais de um século para encerrar o processo da Princesa Isabel iniciado em 1895 e concluído apenas em 2020 julgou, com notável rapidez, a Ação Penal 2668, que resultou na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro em apenas sete meses.
Entre esses extremos, há marcos como o Mensalão (AP 470) e os casos da Lava Jato, que também tramitaram por anos a fio. O contraste entre a lentidão histórica e a celeridade política levanta uma questão: o tempo da justiça no STF é proporcional à conveniência ou à urgência institucional?
O processo da Princesa Isabel: o caso mais antigo do Brasil
A disputa pela posse do Palácio da Guanabara, movida por Isabel de Orleans e Bragança contra a União, foi ajuizada em 1895 e se arrastou por mais de 120 anos.
Somente em 2020, o STF confirmou a decisão do STJ, declarando que o imóvel pertencia à União, encerrando definitivamente o litígio.
Durante décadas, o processo ficou arquivado, sem movimentação. Foram necessários mudanças de regime político, sucessões de partes, reorganizações de competência e reforma do Código Civil até que o caso, finalmente, fosse resolvido.
O julgamento, embora simbólico, mostrou o lado mais moroso e burocrático da Suprema Corte.
O Mensalão: o caso que colocou o STF em rede nacional
Já a Ação Penal 470, o chamado Mensalão, teve uma trajetória completamente diferente.
Iniciado em 2005, após denúncias de compra de apoio parlamentar no governo Lula, o processo tramitou no STF por oito anos até o julgamento final em 2012–2013, que resultou em 25 condenações, inclusive de políticos de alto escalão.
Mesmo sendo considerado um julgamento “histórico e exemplar”, o processo foi marcado por lentidão processual, prazos dilatados e inúmeras fases recursais.
A prerrogativa de foro de parlamentares e ministros manteve o caso na Corte, o que, paradoxalmente, atrasou o desfecho mas também preservou o devido processo legal de modo mais visível e público.
A Lava Jato e o STF: entre a pressão e a prudência
Nos anos seguintes, a Operação Lava Jato repetiu esse padrão.
Com dezenas de políticos com foro privilegiado, o STF concentrou uma série de inquéritos e ações penais derivadas da investigação de corrupção na Petrobras.
Os casos da Lava Jato ficaram anos em tramitação, com decisões liminares, revisões, pedidos de vista e debates sobre competência.
Enquanto juízes de primeira instância, como Sérgio Moro, julgavam com rapidez em Curitiba, no STF o ritmo era muito mais lento em nome da segurança jurídica, da complexidade dos autos e do respeito aos ritos constitucionais.
O caso Bolsonaro: julgamento em tempo recorde
Em contraste absoluto, o processo contra Jair Bolsonaro, referente à tentativa de golpe de Estado e aos atos de 8 de janeiro de 2023, teve uma tramitação que espantou até os analistas mais otimistas.
A denúncia da PGR foi apresentada em fevereiro de 2025.
Menos de sete meses depois, em setembro do mesmo ano, o STF já havia condenado o ex-presidente a 27 anos de prisão, em decisão da 1ª Turma.
Entre a denúncia e o julgamento, houve aceitação da acusação em tempo recorde, instrução processual acelerada, restrição de prazos às defesas e negativa de novos pedidos de diligência.
Para críticos, o julgamento “a jato” representou um desequilíbrio da isonomia processual principalmente se comparado a outros casos penais complexos julgados na mesma Corte, que levaram anos para serem apreciados.
Incongruências e o debate sobre isonomia processual
O que chama a atenção é a disparidade do tratamento processual dado a casos igualmente complexos, mas com contextos políticos distintos.
Caso Duração Fator principal de lentidão/rapidez
- Princesa Isabel x União 125 anos Arquivamentos, sucessões, falta de prioridade;
- Mensalão (AP 470) 8 anos Complexidade e prerrogativa de foro;
- Lava Jato (vários) 4–7 anos Volume de réus e provas, revisões e recursos;
- Bolsonaro (AP 2668) 7 meses Prioridade política e rito concentrado.
Enquanto os casos históricos aguardavam décadas por uma sentença, o processo contra Bolsonaro rompeu todos os parâmetros de tempo conhecidos na Corte.
Ministros justificaram a velocidade pela gravidade institucional dos fatos, mas críticos veem inconsistência e possível seletividade política um debate que se intensifica a cada novo caso com peso midiático.
O Supremo Tribunal Federal vive um dilema antigo: ser rápido o bastante para garantir efetividade da Justiça, mas lento o suficiente para garantir o devido processo legal.
Entre a lentidão quase centenária do caso da Princesa Isabel e a velocidade incomum do julgamento de Bolsonaro, a Corte parece ainda não ter encontrado o equilíbrio entre tempo e justiça.
E é justamente nesse contraste que nasce a maior das perguntas: o tempo do STF é o tempo da lei ou o tempo da política?
Fonte: A Redação
