quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Revogação de Artigos de Lei Pode Libertar Condenados: Entenda Por Que a Lei Penal Retroage em Benefício do Réu


Quando o Congresso Nacional revoga artigos de lei que tipificam determinados crimes, um efeito jurídico imediato e inevitável surge: todos aqueles condenados com base nesses dispositivos podem ser beneficiados, inclusive com extinção de punibilidade e liberdade imediata. Isso ocorre porque o Direito Penal brasileiro segue um princípio constitucional inegociável: a lei penal mais benéfica retroage, ou seja, vale para fatos anteriores à sua vigência.

A base deste princípio está no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, que é taxativo: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” Portanto, quando uma conduta deixa de ser considerada crime pela revogação de um artigo – hipótese conhecida como abolitio criminis – ninguém pode ser condenado por esse fato e todos os já condenados devem ter seus processos revistos, independentemente do estágio em que se encontrem, seja investigação, ação penal, execução da pena ou mesmo após o trânsito em julgado.

Na prática, com a abolitio criminis, uma série de consequências imediatas se impõem. Processos em andamento são arquivados, condenações já transitadas em julgado são anuladas e as penas que estavam em execução são imediatamente extintas. Réus que se encontram presos exclusivamente por esse motivo devem ser colocados em liberdade, salvo se houver outros motivos legais para mantê-los detidos. O sistema de Justiça é obrigado a reconhecer que não existe mais crime, e portanto não pode manter alguém preso por algo que o ordenamento jurídico deixou de reprovar.

A razão fundamental para que isso aconteça reside nos alicerces do Estado Democrático de Direito, onde ninguém pode cumprir pena por um fato que já não é mais considerado criminoso. A revogação do tipo penal significa que o legislador entendeu que aquela conduta não é mais socialmente danosa, não merece mais repressão penal ou deve ser tratada por outros mecanismos jurídicos. Manter uma pessoa presa por um “crime inexistente” afrontaria diretamente o princípio da legalidade, a dignidade da pessoa humana e a própria legitimidade do sistema penal.

Esta interpretação não é apenas teórica, mas uma jurisprudência consolidada há décadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os tribunais superiores têm reiterado que “a revogação de tipo penal configura abolitio criminis e acarreta retroatividade imediata da lei mais benéfica.” Esta orientação se aplica inclusive após o trânsito em julgado da sentença condenatória, reforçando o caráter material e superior deste princípio constitucional sobre a coisa julgada.

As decisões legislativas de revogar ou alterar tipos penais trazem consigo impactos sociais e políticos significativos. Tais mudanças têm o poder de desencadear a revisão de milhares de processos, determinar solturas imediatas e provocar uma rediscussão ampla sobre execuções penais, o que inevitavelmente gera repercussões políticas e midiáticas intensas.

Contudo, todo esse processo de ajuste e correção faz parte do próprio funcionamento de uma democracia e de um sistema penal que se preze. A eventualidade de revisões em massa e a consequente libertação de condenados são, em última análise, a materialização do compromisso do Estado com a justiça e com a estrita observância da legalidade, demonstrando que o sistema é capaz de se corrigir quando uma conduta perde a sua reprovação legal.


Fonte: A redação