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por gleisson coutinho
Uma cobrança aplicada pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB) tem gerado forte reação entre especialistas em direito administrativo e usuários do serviço: a chamada multa por “impedimento de corte”. O valor, que pode ultrapassar os R$ 3.000,00, estaria sendo aplicado mesmo em situações nas quais a unidade consumidora se encontrava vazia circunstância que, segundo juristas, não configura ilícito e não encontra amparo em nenhuma norma regulatória.A discussão reacende o debate sobre segurança jurídica, legalidade administrativa e os limites do poder sancionatório na prestação de serviços públicos essenciais.
Uma análise integrada do Decreto Distrital nº 26.590/2006,
da Lei Distrital nº 442/1993, e das Resoluções ADASA nº 14/2011 e nº 3/2012
revela que não existe previsão normativa específica que autorize a CAESB a
multar o usuário por “impedimento de corte”.
O art. 48 do decreto distrital menciona multa apenas para
impedimento reiterado de acesso ao hidrômetro para leitura, e mesmo assim após
comunicação formal. Nada se fala sobre impedir corte. A lacuna normativa se
repete nas resoluções da ADASA, agência responsável por regular tecnicamente o
serviço:
• A Resolução nº 14/2011, com mais de 140 artigos, não
tipifica o impedimento de corte como infração.
• A Resolução nº 3/2012, que lista minuciosamente 33 tipos
de infrações (17 relacionadas à água), não inclui a hipótese de impedimento de
corte.
O que existe é apenas a infração nº 6 (“impedir acesso ao
hidrômetro para suspensão”), que pressupõe conduta ativa e consciente do
usuário e não a simples ausência de moradores.
Para juristas, trata-se de clara violação ao princípio da legalidade estrita (art. 5º, II, CF/88) e à tipicidade administrativa, que impedem a criação de infrações por analogia ou interpretações expansivas.
O ponto central do debate jurídico recai sobre o conceito de
“impedimento”. Para especialistas, não se pode confundir ausência com
resistência.
A ausência de moradores no momento da visita da equipe da
concessionária é considerada um fato normal, decorrente de rotinas de trabalho,
estudo ou deslocamentos cotidianos. Não configura:
• ato voluntário de oposição,
• negativa de acesso,
• obstrução consciente ao serviço,
• ou qualquer iniciativa dolosa.
Além disso, a inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, CF/88)
afasta qualquer presunção de culpa baseada em ausência física.
A diferença entre o valor da multa e o custo do serviço
chama atenção. Enquanto a tarifa de religação gira em torno de R$ 92,06, a
multa por “impedimento de corte” pode ultrapassar R$ 3.500,00.
A comparação aponta possível violação aos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, sugerindo até caráter
punitivo-arrecadatório, vedado pelo art. 150, IV, da Constituição (proibição de
efeito confiscatório).
Para técnicos, a solução operacional quando o imóvel está
fechado já existe e está prevista no regulamento: o corte pode ser feito
diretamente na rede pública, no passeio, sem necessidade de acesso ao interior
da residência.
Especialistas afirmam que, ao instituir penalidade não prevista
nem pelo decreto distrital nem pelas resoluções da ADASA, a CAESB estaria:
• inovando no ordenamento jurídico,
• criando infração sem base legal,
• violando o devido processo legal,
• e afrontando a segurança jurídica dos usuários.
O entendimento consolidado é de que a concessionária não
pode criar penalidades por meio de interpretação interna, uma vez que o regime
de sanções é matéria reservada a lei ou a regulamento técnico do poder
concedente.
Outro ponto sensível levantado por especialistas diz
respeito ao risco de usurpação de competência legislativa. Segundo a Lei
Orgânica do Distrito Federal (art. 71, §2º), a criação de obrigações e
estruturas administrativas relacionadas à execução de serviços públicos só pode
ser proposta:
• pelo Governador do Distrito Federal, ou
• pela União, nos casos de competência federal.
Qualquer tentativa da Câmara Legislativa de inovar nesse
campo incorreria em flagrante inconstitucionalidade, violando:
• o pacto federativo,
• a separação dos poderes,
• e a reserva de administração.
A penalidade, portanto, também seria inválida por vício de
origem.
Diante da ausência de previsão normativa, da
incompatibilidade com as resoluções da ADASA, da violação aos princípios da
legalidade, proporcionalidade e segurança jurídica, além de vícios
constitucionais envolvendo competência legislativa, especialistas são
categóricos: a multa por “impedimento de corte” é material e formalmente
inválida.
A orientação jurídica majoritária é pela anulação integral
da cobrança, mantendo-se apenas os valores relacionados ao consumo efetivo de
água.
Com o crescimento das reclamações envolvendo a prática, o
tema deve continuar gerando debates sobre transparência, limites da atuação de
concessionárias e proteção dos direitos dos consumidores do Distrito Federal.
Fonte: A redação
