Após uma campanha virtual com a adesão de 600 famílias, Anvisa propõe
que indústrias escrevam nas embalagens a presença de substâncias que podem
causar reações, principalmente em crianças.
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Priscilla e a família se engajaram. Os filhos têm alergia ao leite e à soja. |
Decifrar nomes como caseína hidrolisada, caseinato de
sódio e lactoalbumina é rotina para algumas famílias com casos de alergia
alimentar. Estranhas aos leigos e postas em letras miúdas no rótulo de
alimentos, essas substâncias, se não compreendidas, podem causar prejuízos à
saúde. As três são proteínas do leite. E, para quem tem sensibilidade, o
consumo desses ingredientes pode provocar de reações dermatológicas a choque
anafilático, com o fechamento da glote. Após uma campanha pedir o destaque
desses itens nas embalagens, o tema entrou na pauta da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), que pretende aprovar hoje uma proposta de
consulta pública sobre a alteração na rotulagem...
Atualmente, de todos os alimentos que mais causam
alergia na população, somente o glúten recebe destaque nas embalagens.
Engajadas, um grupo de 600 mães com filhos alérgicos criou neste ano a campanha
#poenorotulo, pedindo destaque a outros ingredientes. A advogada Maria Cecília
Cury Chaddad, 34 anos, mãe de uma criança com alergia alimentar, é uma das
coordenadoras do movimento. Após detectar a sensibilidade do filho à soja e
perceber que teria de decifrar palavras para garantir a
saúde do pequeno e,
inclusive, telefonar para diversos Serviços de Atendimento ao Consumidor
(Sacs), Cecília se engajou na missão de tornar esses produtos legíveis.
“Além de ter de conhecer os nomes, não existe nenhuma
norma que obrigue a indústria a declarar os alérgenos por contaminação
acidental. Isso pode acontecer, por exemplo, quando o mesmo maquinário que
empacota um achocolatado com leite for usado para o café”, diz a advogada, que
fez sua tese de doutorado em Direito sobre o assunto. Quando há a contaminação,
podem ficar traços dos alimentos, o que também causa reações adversas. Mesmo
quando o SAC é acionado, nem sempre as informações prestadas são claras.
Segundo a proposta da Anvisa, os principais alérgenos
ganharão destaque. A indústria deverá ressaltar com a cor preta em um quadro
branco a presença de leite, ovo, oleaginosas (castanhas), sulfitos (presentes
no vinho), crustáceos, peixes e amendoim. Os traços dessas substâncias também
deverão ser informados. Quando houver pelo menos 20 partes por milhão (ppm) de
glúten, as indústrias também deverão acusar a presença dele.
O presidente da Associação Brasileira de Alergia e
Imunologia do Distrito Federal, Paulo Eduardo Silva Belluco, explica que a
alergia alimentar é diferente da intolerância. É um processo imunológico que
pode causar reações e até levar à morte. Segundo ele, de 8% a 10% da população
é alérgica, sendo a maior parte crianças. Belluco detalha que existem as
alergias mediadas, identificáveis por meio de exames laboratoriais, em que é
possível saber, por exemplo, a quais proteínas do leite a pessoa tem
resistência e as não mediadas, em que as reações, normalmente tardias, levam ao
diagnóstico. “Os efeitos podem ser coceira, urticária, até o choque
anafilático, com o acometimento de vários órgãos, inclusive podendo fechar a
glote.”
Pesquisa
Faz cinco anos que Priscilla Tavares, 35 anos, e o
marido, Paulo Ribeiro, 39, têm de lidar com dietas especiais. Pouco tempo
depois de nascerem, a filha Beatriz, 5 anos, e o filho João Pedro, 3 anos,
começaram a apresentar reações adversas a determinados alimentos. Beatriz tinha
alergia a leite de vaca e soja, mas criou tolerância. João Pedro continua
sensível aos dois alimentos. “Com quatro meses, João começou a ter sangramento
intestinal”, conta a mãe. Foi aí que se iniciou um processo para descobrir a
quais alimentos o bebê era alérgico e, Priscilla eliminou determinadas
substâncias da própria dieta — porque elas passavam pelo leite materno — até
descobrir qual era aquela que João não podia ingerir. Comprar alimentos no
mercado tornou-se uma saga e, hoje, Priscilla brinca que é quase química. “Já
tive de fazer pesquisas sobre toda a minha dispensa diversas vezes.”
“Os efeitos podem ser coceira, urticária, até o
choque anafilático, com o acometimento de vários órgãos, inclusive podendo
fechar a glote”
Paulo Eduardo Silva Belluco, presidente da Associação
Brasileira de Alergia e Imunologia
Fonte:
JULIA CHAIB - Correio Braziliense - 29/05/2014